sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Porque As Mães Estão Falhando E Criando Pequenos Imperadores


A Construção Da Autoridade:
Porque As Mães Estão Falhando
E Criando Pequenos Imperadores

Nunca se falou tanto na necessidade de pôr limites e nunca se praticou tão pouco. Que feitiço é esse que deixa mães e pais inertes diante de crianças tiranas? Desvendá-lo e virar o jogo exige estratégia e empenho.

Lançado em 2002, o clássico QUEM AMA, EDUCA!, do psicoterapeuta Içami Tiba, já passou de 120 edições, um verdadeiro fenômeno editorial no Brasil. Hoje, com a popularização da psicologia, as mães sabem de cor noções como "dizer não à criança é uma forma de amor" ou "criança que não é contrariada vira um pequeno tirano". Sabem que, sem ouvir negativas, as crianças não aprendem a lidar com a frustração. "Assim, elas crescem sem entender que frustração não é o fim do mundo", reforça a psicoterapeuta Maria de Melo, autora do livro A CORAGEM DE CRESCER. No entanto, basta olhar ao redor - no shopping center, no supermercado ou no bufê infantil - para encontrar uma multidão de ditadores mirins. Afinal, por que pessoas que conhecem muito bem a importância dos limites não conseguem aplicar as regras mais elementares da educação na própria casa?

A explicação pode estar numa equação que é velha conhecida das mulheres - é nas nossas costas, ainda, que pesa a maior parte da responsabilidade pela educação dos filhos. "As mulheres estão muito cansadas", acredita a psicoterapeuta Valéria Meirelles, de São Paulo. "Elas trabalham, pilotam a vida dos filhos, mantêm um relacionamento amoroso, são sensíveis às exigências da ditadura da beleza, precisam estar bem-informadas e ainda gerenciam a casa. Algum desses pratinhos tem que cair, e tem sido o da educação dos filhos."

Será que não está faltando limite na nossa vida, o que, de certa forma, nos torna incapazes de botar limites nas crianças?, pergunta a psicóloga. E por que é esse o pratinho que cai - justamente esse, tão vital? "Porque educar dá muito, muito trabalho", afirma Valéria. "Conheço mulheres que chegam tão esgotadas em casa, à noite, que não sobra energia para dizer não." Na prática, não se trata apenas de negar um pedido: é preciso ainda explicar por que e discutir exaustão com crianças cada dia mais antenadas e questionadoras. E não é só cansaço. Muitas mães sentem necessidade de compensar algo ou com sentimentos faltantes com permissividade em relação aos filhos.

Estratégia. Primeiro: fortaleça-se. "O problema está na mãe vítima, não no pequeno algoz", observa Maria de Melo. Procure formas de melhorar a sua auto-estima - pode ser uma sessão de massagem, um novo corte de cabelo, um curso que deseja fazer há muito tempo. O importante é redescobrir a si mesma, com suas qualidades e imperfeições. Reconheça que há limites, que ninguém é infinitamente paciente e não tenha medo de dizer não. Uma mãe que nunca briga, que sempre se submete à vontade dos filhos, que vive para eles única e exclusivamente acaba por se tornar uma fonte de culpa para a criança, que se sentirá um monstro diante daquela pessoa tão irritantemente boa.

Há outras tentações que desviam as mães - e os pais - da tarefa de impor limites. Uma das mais freqüentes é o desejo de serem os melhores amigos dos filhos. Esses homens e mulheres se esquecem de que seu papel, graças a sua experiência de vida, é acolher, orientar e ajudar. "Ao se posicionar como um igual, a mãe - ou o pai - extingue esse lugar de 'saber mais' e nem sempre pode de fato auxiliar os filhos", alerta Valéria Meirelles. "Querer ser vista mais como amiga do que como mãe é confundir ou até negar papéis. Cabe a ela educar a prole na posição de autoridade, no sentido de quem conduz, preferencialmente da maneira como ensinava Santo Agostinho: com ternura e vigor."

É bom frisar que há um abismo entre autoridade e autoritarismo. Ninguém está propondo um retorno à educação rígida de antigamente, cheia de estatutos, horários, castigos e silêncios, e sim o estabelecimento de regras, de rotina; toda criança precisa disso. O que não significa proibir tudo - é o outro extremo da moeda e presta igualmente um desserviço. Tampouco é o caso de louvar o pode-tudo, que muitas famílias acabam adotando.

Por exemplo, com apenas 4 anos, Carolina faz o que quer. A mãe, Carmo, separou-se quando a menina tinha 1 ano e vive em função da filha, que manda nela o tempo todo. Se alguém sugere que Carolina precisa de limites, a mãe fica indignada. "Ela tem muita personalidade", justifica. "Mas é complicado quando quer alguma coisa. Se estamos num lugar público e ela arma um escândalo, morro de vergonha e faço qualquer negócio para que fique quieta."

A necessidade de limites se torna mais freqüente à medida que a criança se desenvolve. Todas nascem preparadas para aprender, mas isso requer empenho por parte dos pais. Famílias com dificuldade de fixar normas têm que encontrar um tempo de convívio. Esses momentos devem ser para brincar, conversar, mostrar que há coisas que não podem ser feitas e muitas que podem", encoraja Maria de Melo. É bem possível que o desafio à autoridade dos pais seja apenas uma forma de a criança ter certeza de que eles se importam com ela.

Valéria lembra a história de uma mãe, executiva ocupadíssima, e sua filha de 12 anos, fã de rock. A menina queria assistir com amigos a um megashow em São Paulo, mas a mãe bateu pé: "Não é para a sua idade". Foram várias sessões de terapia dedicadas a discutir o suposto "autoritarismo" da mãe (ponto de vista da filha) versus a teimosia da garota (ponto de vista da mãe). Passado o show - a jovem não foi -, Valéria ouviu da menina um comentário surpreendente. "Eu tenho apenas 12 anos, só faltava minha mãe me deixar ir sozinha! Eu só queria ver se ela realmente se preocupava comigo."

Escândalos de rua constrangem, são desagradáveis mesmo. No entanto, vaidade de lado e enfrentar a situação, Maria de Melo. Se o que a criança quer é indevido, não volte atrás. "Quando dizemos não com convicção, não ficamos tentadas a ceder", diz. As crianças são espertíssimas e sabem muito bem se um não é protocolar ou para valer.

A pequena Diana descobriu rapidamente que as negativas da mãe, Ruth, não eram lá muito firmes. "A vida toda eu desejei ser mãe. Quando Diana nasceu, eu tinha 40 anos e fiquei em total estado de graça. Acho que a mimei demais, e ela não me ouve, não importa quantas vezes eu diga não." A boa notícia é que a construção da autoridade pode começar a qualquer momento - naturalmente, quanto mais tarde, mais trabalho os pais terão pela frente. "A missão de impor limites ganha peso assim que a criança passa a se locomover. Nessa hora, ela precisa dos pais para impedir que coloque o dedo na tomada", explica Valéria Meirelles.

*Nomes Trocados Para Preservar A Identidade Dos Entrevistados

NOS TRILHOS

Seis mandamentos para a mãe de um reizinho, segundo a psicoterapeuta Maria de Melo.

1. Deixe a culpa de lado, o medo dos traumas, a crença de que é preciso ser boa para ser amada.

2. Não tente ser perfeita nem espere isso da criança. Ela pode se sentir um monstro diante de uma pessoa tão boa.

3. Diga não sem gritar, com amorosidade e firmeza. Cada vez que coloca algumas regras para seu filho, você mostra que acredita na força que ele tem para lidar com a frustração, para se regenerar internamente e encontrar soluções.

4. Reconheça, para você mesma, que tem limites e que ninguém é infinitamente paciente ou generoso. Assim, você estará ajudando seu filho ou filha a aprender a respeitar a própria mãe e também os próprios limites.

5. O problema está na mãe vítima, não no pequeno tirano. Não faça do seu filho a razão da sua vida. É muita responsabilidade para ele.

6. Lembre-se: ser mãe é a difícil arte de se fazer desnecessária.

Regina Valadares e Sibelle Pedral, matéria da revista Cláudia

Um comentário:

Unknown disse...

Oi Ceiça, adoro ler seus artigos, todos os artigos que vc escreve me identifico com eles,parabens...que Deus continue te dando o dom das palavras.