quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Quando o Poder Sobe à Cabeça


Quando O Poder Sobe À Cabeça

Se você não conhece, provavelmente ainda vai ter o desprazer de se relacionar com alguém que, como diz o ditado popular, o “poder subiu à cabeça”. São aquelas pessoas que por causa de um cargo melhor, do dinheiro ou de uma posição considerada nobre na sociedade, mudam de comportamento e incorporam atitudes que vão desde a arrogância, o abuso de autoridade à imposição de uma supremacia ilusória, como se fossem mais inteligentes e melhores que os demais. Infelizmente, o mundo está cheio de pessoas assim. Há muita gente que faz mau uso do poder e que não pensa duas vezes em intimidar, mandar e desmandar (até gritar) para se impor. Incluem-se nesta lista políticos, chefes, ocupantes de altos cargos em empresas, ou mesmo pessoas simples, mas cujo trabalho as faz desenvolver a “síndrome do pequeno poder”. No fundo, o que o poderoso ignora é que possui uma profunda fragilidade e por isso recorre ao seu posto para fazer ser ouvido (e obedecido).

Para a psicóloga Renata Gonçalvez Zanusso, de Rio Preto, quando a pessoa está no poder deixa transparecer sua verdadeira índole. Ou seja, se é humano e humilde será assim, mesmo tendo de dar ordens. Caso tenha dificuldades para lidar com o diferente e com o que não funciona exatamente como considera correto, provavelmente será rude e arrogante.“Difícil é ser o superior e ter de fazer valer seus princípios morais, seus valores pessoais. No poder, pessoas prepotentes vão se mostrar desse modo, assim como pessoas solidárias vão deixar esta marca em suas ações”, diz Renata. Em geral, faz-se mau uso do poder pelo fascínio que ele exerce. Muitas vezes, as pessoas não estão preparadas para tê-lo e por isso acabam trilhando caminhos que elas próprias desconhecem. “Sentir-se poderoso significa transcender a condição de mísero mortal. O poder é o alimento ideal para a fantasia de pessoas que precisam se sentir maiores do que são”, observa Renata.

Ela acredita que pessoas problemáticas fazem mal uso do poder porque não aprenderam (no sentido de internalizar regras) valores morais essencias para a convivência em sociedade e por isso se corrompem. Para cada pessoa o poder será simbolizado de uma maneira diferente. Para muitos, “filhos do capitalismo”, da geração consumista, o poder está associado a bens de consumo. Quantos não são aqueles que trocam o salário de um mês por uma roupa de grife? Isso porque se sentem poderosos usando certas marcas. Outros precisam construir um patrimônio gigantesco, e assim por diante. Um outro grupo é composto por aqueles que acreditam que o poder está associado ao ser, e não ao ter, então sentem-se poderosos quando são reconhecidos pelo que são intelectualmente, espiritualmente, enfim, sua notoriedade é símbolo de poder. “De alguma maneira todos buscam se sentir poderosos para alimentar a idéia de transcendência que o poder gera”, diz a psicóloga.

O problema é que muita gente passa da conta, desrespeita e subjulga quem está à sua volta, esquecendo-se que um dia não estará mais no poder, ou pior, poderá se tornar subordinada daquele que já humilhou. O poder funciona como uma máscara bonita, que é colada na face, mas a pessoa passa a acreditar que a máscara é ela. Ou seja, perde-se o referencial de identidade. Assim, o poderoso, ao se olhar no espelho não é a si mesmo, mas uma idéia que foi construída. “A partir deste momento, a pessoa pode permitir que seu lado obscuro e destrutivo apareça porque sente-se protegida pela máscara, esquecendo que ela é temporária, circunstancial. Pessoas assim, muitas vezes são hostis, abusam dos que dependem dela, jogam com a dignidade alheia porque sentem-se imunes às regras sociais”. A dica é nunca perder a noção de quem somos verdadeiramente e lembra sempre que o poder é algo passageiro.

Saiba como conviver com quem usa e abusa do poder
Não é fácil conviver com quem usa e abusa do poder. Quem o tem em mãos pode humilhar, coagir e desfazer dos demais sem pensar nas conseqüências e sem imaginar que um dia não terá mais autoridade para mandos e desmandos. Para não sofrer em demasia com atos impensados dos poderosos, é preciso ter controle sobre os próprios sentimentos e não se deixar atingir quando as críticas são infundadas. Muitas vezes, os “poderosos” exercem tanta influência sobre seus subordinados que acabam intimidando toda e qualquer manifestação ou opinião diversa. Não se trata de enfrentar e jogar com os poderosos no mesmo nível. Medir esforços nunca é boa saída, pois a tendência é que o detentor do poder saia ganhando. Com perspicácia, tolerância e dose extra de inteligência emocional é possível driblar os conflitos e não se deixar abalar. O psiquiatra rio-pretense Ururahy Botosi Barroso, que acaba de chegar do IV Congresso Internacional Latino-Americano de Programação Neurolingüística, falou ao Diário sobre as diferentes facetas do poder. Veja a entrevista:


Diário - Há um ditado que diz: “quer conhecer verdadeiramente um homem, dê poder a ele”. Na sua opinião, o que isso quer dizer?

Ururahy Botosi Barroso - O poder é a forma mais direta para mostrar quem é uma pessoa. No poder a pessoa mostra quem realmente ela é, porque vai diretamente na fase de identidade, ou seja, do “quem sou eu’. Usa-se: “agora, eu sou”, em vez de “eu estou”. E nesse ponto, em vez de buscar dentro de si o que existe de melhor, a maioria acaba exorcizando suas angústias, mágoas, raivas e rancores mal resolvidos. Acaba projetando no outro todo o lixo acumulado dentro de si, por falta de inteligência emocional.

Diário - Em todos os setores da sociedade as pessoas reclamam que convivem com gente que deixou com que o poder “subisse à cabeça”. Por quê, em geral, se faz mal uso do poder, o que leva a isso?

Ururahy Botosi Barroso - Na verdade não é que o poder subiu à cabeça. É que ele não desceu ao coração. No exercício ecológico do poder, há três inteligências conjuntas: o QI - quociente de inteligência cognitiva, o QE - quociente de inteligência emocional - e o QS - quociente de inteligência espiritual. Como a maioria das pessoas lida mal com essas inteligências que representam quem realmente elas são, acabam também exercendo de forma lastimável o exercício do poder. A perda da autocrítica é um grande mal para quem exerce o poder de forma errada. Dois grandes recursos para o uso feliz do poder, além obviamente da competência e da proficiência, são a humildade e a flexibilidade.

Diário - O comportamento e as estruturas psíquicas mudam quando temos poder em mãos?

Ururahy Botosi Barroso - O uso bom ou ruim do poder situa-se no sistema límbico, onde se encontra a fonte de nossas emoções. Quando o sistema é sobrecarregado de emoções descontroladas isso se reflete em nosso corpo nas mais variadas doenças e, ao contrário, quando o sistema flui em concordância com princípios e valores relevantes, a pessoa que exerce bem o poder, sente um aumento do seu coeficiente de felicidade.

Diário - Quando as pessoas estão ocupando um cargo de poder, uma posição melhor na sociedade, ou seja, quando são visadas e podem decidir, elas tendem a se “vingar” inconscientemente de coisas ruins que já passaram? Com o poder elas expõem suas mágoas e ressentimentos em forma de autoridade, mandos e desmandos?

Ururahy Botosi Barroso - Se ela chega ao poder pela meritocracia, geralmente exercerá o poder de uma forma construtiva. Quando a ascensão ao poder se dá por outros caminhos, ela acaba buscando no exercício temeroso do poder uma forma de preencher os vazios existenciais.

Diário - Por quê o poder fascina tanto? Invariavalmente, todos somos estimulados a buscar o poder em algum nível?

Ururahy Botosi Barroso - Porque o poder dá a falsa ilusão de que, pelo menos naquele contexto, tudo e todos estão sob seu controle. Esse controle dá a falsa ilusão de que é amado - busca essencial de todo ser humano - no entanto, ele é respeitado pelo temor e não pelo amor.

Diário - Quando o poder “sobe à cabeça” a pessoa está mais propensa a desenvolver comportamentos negativos e incorporá-los à sua personalidade?

Ururahy Botosi Barroso - O poder, em essência é neutro. O exercício do poder é que mostra quem está por trás do poder. É importante entender que existem o poder interior, o poder exterior e mais ainda o poder da integridade. Esse faz com que a pessoa seja a mesma, independentemente do cargo que ocupa. Como a maioria das pessoas é muito mal resolvida no campo emocional, no exercício do poder elas não resistem à tentação de se mostrar e se expor chicoteando emocionalmente aqueles ao seu redor tal como fizeram com ela um dia. Isso acaba por gerar medo e revolta, tolhendo a liberdade e conseqüentemente a criatividade e a inovação, imprescindíveis nas empresas e em qualquer relacionamento humano.

Diário - Como conviver com uma pessoa dessas, que usa a supremacia para humilhar e mandar e desmandar ao seu bel prazer?

Ururahy Botosi Barroso - Às vezes temos a manifestação do bullying, que são atitudes de violência psiquíca, intencionais e repetidas, que podem ter o propósito de intimidar ou agredir o outro no ambiente de trabalho. É mais do que uma reação de raiva. Infelizmente, isso é aceito no ambiente de trabalho como algo do tipo “Ele é assim mesmo!” Pode ser que nesse caso se caracterize o assédio moral. Não temos controle sobre as pessoas, mas temos escolhas sobre o que queremos sentir diante das ações infelizes dos poderosos. Muitas vezes o poder é exercido por coerção quando é de fora para dentro. Quando é de dentro para fora é exercido por aconselhamento e não por imposição. Quando a pessoa se deixa ser coagida pelo poder ela perde a criatividade e a motivação funcionando apenas no que é necessário para garantir o emprego.

Diário - As pessoas que convivem com quem faz uso do poder também contribuem para que o “poderoso” aja assim? Como isso acontece?

Ururahy Botosi Barroso - Isso acontece por um reforço negativo do que a pessoa tem de pior e essas pessoas acreditam que com isso estarão ganhando mais estabilidade e segurança no trabalho. No entanto, quem está fazendo uso do poder sabe que são pessoas corruptíveis emocionalmente (puxa-sacos) e a qualquer momento, quando estiver em jogo a competência e a integridade profissional, são cartas fora do jogo.

Diário - Que dicas daria para uma pessoa que está ascendendo profissionalmente, por exemplo, que terá pessoas, equipes sob sua responsabilidade, para que não faça mau uso do poder?

Ururahy Botosi Barroso - O poder é uma das missões mais fascinantes que temos, pois existem pessoas que se submetem às nossas decisões e tudo poderemos fazer para despertar em cada uma delas valores que ninguém nunca fez antes. Em vez de exorcizar o que foi mal resolvido dentro de si, procurar preencher esse vazio existencial no despertamento de potencialidades e talentos junto aos seus dirigidos. Despertar nos outros a capacidade e o valor de cada um é o exercício nobre do poder. Lembremo-nos do grande líder que foi Jesus: “Vós podeis fazer tudo o que eu faço e muito mais. Vós sois deuses.” Allan Kardec, o grande educador do espírito, fala em aristocracia intelecto-moral, ou seja, o poder exercido pela evolução intelectual e moral de cada um. Hoje o marketing fala em coaching do poder, ou seja, a função de um guia, um orientador, um apontador de caminhos e não um ditador ou escravizador de almas. O chefe está sendo substituído pelo líder, o líder está sendo substituído pelo líder-servidor.

Diário - O que pode ocorrer com quem tem em mãos um grande poder e, de repente, por diferentes motivos, cai e tem seu poder retirado? Essa pessoa pode chegar a extremos?

Ururahy Botosi Barroso - Sim, pois ela usou esse poder para preencher o seu vazio existencial. Agora, fora do poder, ela será respeitada pelo que ela é na sua integridade e não pelo cargo que possuía. E se na sua integridade não tiver nada a oferecer, cairá no ostracismo, abandonada e rejeitada por aqueles que a “respeitavam” pelo temor. Por isso que no meio empresarial e na política se vê muito disso, pois a pessoa, vazia de recursos internos, por falta de inteligência emocional e espiritual, se vê desprezada, quando está fora do poder, se envolvendo muitas vezes com doenças crônicas e graves. Veja quantos políticos que exercem de forma equivocada o poder, assim que o perdem adoecem gravemente. Poderíamos fazer um trocadilho: “Me mostre como te relacionas no poder com o seus subordinados e te direi quem és na intimidade”. Substituir autoridade por alteridade, desenvolver talentos e capacidades, deixar de ser chefe de pessoas e passar a ser líder de almas, essa é a grande missão daquele que ocupa o poder.

Fabiano Ferreira


Nenhum comentário: